a farinha do sarcasmo que coloniza minha Mãe África
e meus ouvidos não levam ao coração seco
misturada com o sal dos pensamentos
a sintaxe anglo-latina de novas palavras.
Amam-me com a única verdade dos seus evangelhos
a mística das suas missangas e da sua pólvora
a lógica das suas rajadas de metralhadora
e enchem-me de sons que não sinto
das canções das suas terras
que não conheço.
E dão-me
a única permitida grandeza dos seus heróis
a glória dos seus monumentos de pedra
a sedução dos seus pornográficos Rolls-Royce
e a dádiva quotidiana das suas casas de prostituição.
Ajoelham-me aos pés dos seus deuses de cabelos lisos
e na minha boca diluem o abstrato
sabor da carne de hóstias em milionésimas
circunferências hipóteses católicas de pão.
E em vez dos meus amuletos de garras de leopardo
vendem-me a sua desinfetante bênção
a vergonha de uma certidão de filho de pai incógnito
uma educativa sessão de "strip tease" e meio litro
de vinho tinto com graduação de álcool de branco
exata só para negro
um gramofone de magaíza
um filme de heróis de carabina a vencer traiçoeiros
selvagens armados de penas e flechas
e o ósculo das suas balas e dos seus gases lacrimogêneos
civiliza o mau casto impudor africano.
Efígies de Cristo suspendem ao meu pescoço
em rodelas de latão em vez dos meus autênticos
mutovanas* da chuva e da fecundidade das virgens
do ciúme e da colheita de amendoim novo.
E aprendo que os homens que inventaram
a confortável cadeira elétrica
a técnica de Buchenwald e as bombas V2
acenderam fogos de artifício nas pupilas
de ex-meninos vivos de Varsóvia
criaram Al Capone, Hollywood, Harlem
a seita Klu-Klux-Klan, Cato Mannor e Sharpeville**
e emprenharam o pássaro que fez o choco
sobre os ninhos mornos de Hiroshima e Nagasaki
conheciam o segredo das parábolas de Charlie Chaplin
lêem Platão, Marx, Gandhi, Einstein e Jean-Paul Sartre
e sabem que Garcia Lorca não morreu mas foi assassinado
são os filhos dos santos que descobriram a Inquisição
perverteram de labaredas a cruficifada nudez
da sua Joana D'Arc e agora vêm
arar os meus campos com tratores "made in germany"
mas já não ouvem a sutil voz das árvores
nos ouvidos surdos do espasmo das turbinas
não lêem nos meus livros de nuvens
o sinal das cheias e das secas
e nos seus olhos ofuscados pelos clarões metalúrgicos
extinguiu-se a eloqüente epidérmica beleza de todas
as cores das flores do universo
e já não entendem o gorjeio romântico das aves de casta
instintos de asas em bando nas pistas do éter
infalíveis e simultâneos bicos trespassando sôfregos
a infinita côdea impalpável de um céu que não existe.
E no colo macio das ondas não adivinham os vermelhos
sulcos das quilhas negreiras e não sentem
como eu sinto o prenúncio mágico sob os transatlânticos
da cólera das catanas de ossos nos batuques do mar.
E no coração deles a grandeza do sentimento
é do tamanho cowboy do nimbo dos átomos
desfolhados no duplo rodeio aéreo no Japão.
Mas nos verdes caminhos oníricos do nosso desespero
perdôo-lhes a sua bela civilização à custa do sangue
ouro, marfim, améns
e bíceps do meu povo.
E ao som másculo dos tantãs tribais o eros
do meu grito fecunda o humus dos navios negreiros...
E ergo no equinócio da minha Terra
o moçambicano rubi do nosso mais belo canto xi-ronga
e na insólita brancura dos rins da plena Madrugada
a necessária carícia dos meus dedos selvagens
é a tácita harmonia de azagaias no cio das raças
belas como altivos falos de ouro
eretos no vento nervoso da noite africana.
e meus ouvidos não levam ao coração seco
misturada com o sal dos pensamentos
a sintaxe anglo-latina de novas palavras.
Amam-me com a única verdade dos seus evangelhos
a mística das suas missangas e da sua pólvora
a lógica das suas rajadas de metralhadora
e enchem-me de sons que não sinto
das canções das suas terras
que não conheço.
E dão-me
a única permitida grandeza dos seus heróis
a glória dos seus monumentos de pedra
a sedução dos seus pornográficos Rolls-Royce
e a dádiva quotidiana das suas casas de prostituição.
Ajoelham-me aos pés dos seus deuses de cabelos lisos
e na minha boca diluem o abstrato
sabor da carne de hóstias em milionésimas
circunferências hipóteses católicas de pão.
E em vez dos meus amuletos de garras de leopardo
vendem-me a sua desinfetante bênção
a vergonha de uma certidão de filho de pai incógnito
uma educativa sessão de "strip tease"
de vinho tinto com graduação de álcool de branco
exata só para negro
um gramofone de magaíza
um filme de heróis de carabina a vencer traiçoeiros
selvagens armados de penas e flechas
e o ósculo das suas balas e dos seus gases lacrimogêneos
civiliza o mau casto impudor africano.
Efígies de Cristo suspendem ao meu pescoço
em rodelas de latão em vez dos meus autênticos
mutovanas* da chuva e da fecundidade das virgens
do ciúme e da colheita de amendoim novo.
E aprendo que os homens que inventaram
a confortável cadeira elétrica
acenderam fogos de artifício nas pupilas
de ex-meninos vivos de Varsóvia
a seita Klu-Klux-Klan, Cato Mannor e Sharpeville**
conheciam o segredo das parábolas de Charlie Chaplin
lêem Platão, Marx, Gandhi, Einstein e Jean-Paul Sartre
e sabem que Garcia Lorca não morreu mas foi assassinado
são os filhos dos santos que descobriram a Inquisição
perverteram de labaredas a cruficifada nudez
arar os meus campos com tratores "made in germany"
mas já não ouvem a sutil voz das árvores
nos ouvidos surdos do espasmo das turbinas
não lêem nos meus livros de nuvens
o sinal das cheias e das secas
e nos seus olhos ofuscados pelos clarões metalúrgicos
extinguiu-se a eloqüente epidérmica beleza de todas
as cores das flores do universo
infalíveis e simultâneos bicos trespassando sôfregos
a infinita côdea impalpável de um céu que não existe.
E no colo macio das ondas não adivinham os vermelhos
sulcos das quilhas negreiras e não sentem
como eu sinto o prenúncio mágico sob os transatlânticos
da cólera das catanas de ossos nos batuques do mar.
E no coração deles a grandeza do sentimento
é do tamanho cowboy do nimbo dos átomos
Mas nos verdes caminhos oníricos do nosso desespero
perdôo-lhes a sua bela civilização à custa do sangue
ouro, marfim, améns
e bíceps do meu povo.
do meu grito fecunda o humus dos navios negreiros...
E ergo no equinócio da minha Terra
o moçambicano rubi do nosso mais belo canto xi-ronga
e na insólita brancura dos rins da plena Madrugada
a necessária carícia dos meus dedos selvagens
é a tácita harmonia de azagaias no cio das raças
belas como altivos falos de ouro
eretos no vento nervoso da noite africana.
* Amuletos
** Cato Mannor e Sharpeville: Nomes de lugares onde ocorreram repressões policiais sangrentas na Africa do Sul contra trabalhadores africanos.
José Craveirinha