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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O PRÓXIMO ELEMENTO DA TAZ ...



O PRÓXIMO ELEMENTO que contribui para a TAZ é tão vasto e ambíguo que precisa de uma seção à parte somente para ele. Já falamos da net, que pode ser definida como a totalidade de todas as transferências de informações e de dados. Algumas dessas transferências são privilégio e exclusividade de várias elites, o que lhes confere um aspecto hierárquico. Outras transações são abertas a todos - e deste modo a internet também possui um aspecto horizontal e não hierárquico. Dados militares e de segurança nacional são restritos, assim como informações bancárias e monetárias, e outras informações deste tipo. Porém, de maneira geral, a telefonia, o sistema postal, os bancos de dados públicos etc. são acessíveis a todos. Desta forma, de dentro da net começou a emergir um tipo de contra-net, que nós chamaremos de web (como se a internet fosse uma rede de pesca e a web as teias de aranha tecidas entre os interstícios e rupturas da net). Em termos gerais, empregaremos a palavra web para designar a estrutura aberta, alternada e horizontal de troca de informações, ou seja, a rede não-hierárquica, e reservaremos o termo contra-net para indicar o uso clandestino, ilegal e rebelde da web, incluindo a pirataria de dados e outras formas de parasitar a própria net.
A net, a web e a contra-net são partes do mesmo complexo, e se mesclam em inúmeros pontos. Esses termos não foram criados para definir áreas, mas para sugerir tendências.(Digressão: Antes de condenar a web ou a contra-net por seu "parasitismo", que jamais poderia ser uma força verdadeiramente revolucionária, pergunte-se o que significa "produção" na era da Simulação. Qual é a "classe produtora"? Talvez você seja forçado a admitir que esses termos perderam o sentido. De qualquer forma, as respostas a essas perguntas são tão complexas que a TAZ tende a ignorá-las por completo e simplesmente escolhe o que pode usar. "Cultura é nossa natureza", e nós somos os corvos ladrões, os caçadores/coletores do mundo da Comunicação Tecnológica.) Supõe-se que as formas atuais da web não-oficial sejam ainda bastante primitivas: a rede marginal de zines, as redes BBS5, softwares piratas, grampos telefônicos, alguma influência na mídia impressa e no rádio e quase nenhuma nos outros grandes canais de comunicação - nenhuma emissora de TV, nenhum satélite, nenhuma fibra ótica, nenhum cabo etc. etc. No entanto, a própria net apresenta um padrão de relações entre sujeitos ("usuários") e objetos ("dados") em constante mutação/evolução. A natureza dessas relações tem sido explorada exaustivamente, de McLuhan a Virilio. Usaríamos páginas e mais páginas para "provar" o que agora "todo mundo já sabe". Em vez de rediscutir tudo isso, estou interessado em investigar como essas relações em constante evolução sugerem modos de implementação para a TAZ.
A TAZ possui uma localização temporária mas real no tempo, e uma localização temporária mas real no espaço. Porém, obviamente, ela também precisa ter um local dentro da web, outro tipo de local: não real, mas virtual; não imediato, mas instantâneo. A web não fornece apenas um apoio logístico à TAZ, também ajuda a criá-la. Grosso modo, poderíamos dizer que a TAZ "existe" tanto no espaço da informação quanto no "mundo real". A web pode compactar muito tempo, em forma de dados, num "espaço" infinitesimal. Dizemos que a TAZ, por ser temporária, não oferece algumas das vantagens de uma liberdade com duração e de uma localização mais ou menos estável. Mas a web oferece uma espécie de substituto para parte disso - ela pode informar a TAZ, desde o seu início, com vastas quantidades de tempo e espaço compactados que estavam sendo "subutilizados" na forma de dados. Nesse ponto da evolução da web, e considerando nossas exigências por algo que seja palpável e sensual, devemos considerar a web fundamentalmente como um sistema de suporte, capaz de transmitir informações de uma TAZ a outra, ou defender a TAZ, tornando-a "invisível" ou dando-lhe garras, conforme a situação exigir. Porém mais do que isso: se a TAZ é um acampamento nômade, então a web ajuda a criar épicos, canções, genealogias e lendas da tribo. Ela fornece as trilhas de assalto e as rotas secretas que compõem o fluxo da economia tribal. Ela até mesmo contém alguns dos caminhos que as tribos seguirão só no futuro, alguns dos sonhos que eles viverão como sinais e presságios. Nossa web não depende de nenhuma tecnologia de computação para existir.
O boca-a-boca, os correios, a rede marginal de zines, as "árvores telefônicas" e coisas do gênero são suficientes para se construir uma rede de informação. A chave não é o tipo ou o nível da tecnologia envolvida, mas a abertura e a horizontalidade da estrutura. Contudo, o próprio conceito da net implica o uso de computadores. Na imaginação da ficção científica, a net é conduzida para a condição de ciberespaço (como Tron e no livro de William Gibson, Neuromancer) e para a pseudo-telepatia da "realidade virtual". Como fã do cyberpunk, não consigo deixar de antever o importante papel que o "hacking da realidade" terá na criação das TAZs. Assim como Gibson e Sterling, acredito que a net oficial jamais conseguirá conter a web ou a contra-net - a pirataria de dados, as transmissões nãoautorizadas e o fluxo livre de informações não podem ser detidos. (Na verdade, no meu entender, a Teoria do Caos pressupõe que nenhum sistema de controle universal seja possível.) No entanto, deixando de lado as meras especulações sobre o futuro, devemos encarar uma questão séria sobre a web e a tecnologia que ela envolve. A TAZ deseja, acima de tudo, evitar a mediação, experimentar a existência de forma imediata. A essência da TAZ é "peito-a-peito", como dizem os sufis, ou cara-a-cara. Mas, MAS: a essência da web é mediação, onde as máquinas são nossos embaixadores - a carne é irrelevante exceto como um terminal, com todas as conotações sinistras do termo. Talvez a melhor maneira para a TAZ encontrar seu próprio espaço seja adotando duas atitudes aparentemente contraditórias em relação à alta tecnologia e sua apoteose, a net: a) aquilo que podemos chamar de Quinto Estado, a posição neo-paleolítica, pós-situacionista e ultra-verde, que se traduz como um argumento ludita contra a mediação e contra a internet; e b) os cyberpunks utópicos, os futuro-libertários, os hackers da realidade e seus aliados, que percebem a internet como um passo adiante na nossa evolução, e que acreditam que qualquer possível efeito maligno da mediação possa ser superado, ao menos depois de termos liberado os meios de produção. A TAZ concorda com os hackers porque deseja - em parte - ganhar existência através da net, e até mesmo através da mediação da net. Mas ela também concorda com os partidários do ambientalismo porque possui uma intensa percepção de si mesma como corpo e sente nojo da cibergnose, a tentativa de transcender o corpo através da instantaneidade e da simulação. A TAZ tende a condenar a dicotomia entre tecnologia e anti-tecnologia como um equívoco: como é um equívoco a maioria das dicotomias, onde opostos aparentes acabam se revelando falsificações ou mesmo alucinações provocadas pela semântica. Essa é uma forma de dizer que a TAZ quer viver neste mundo, não na ideia de outro mundo, um mundo visionário qualquer nascido de uma falsa unificação (todo verde OU todo metal), que só pode ser mais um castelo nas nuvens (ou, como disse Alice, "Geléia ontem ou geléia amanhã, mas jamais geléia hoje").
A TAZ é "utópica" no sentido que imagina uma intensificação da vida cotidiana ou, como diriam os surrealistas, a penetração do Maravilhoso na vida. Mas não pode ser utópica no sentido literal do termo, sem local, ou "lugar do lugar nenhum" A TAZ existe em algum lugar. Ela fica na interseção de muitas forças, como um ponto de poder pagão na junção das misteriosas linhas de realidades paralelas, visível para o adepto em detalhes do terreno, da paisagem, das correntes de ar, da água, dos animais e, aparentemente, sem qualquer relação um com o outro. Mas agora essas linhas não pertencem apenas ao tempo e ao espaço. Algumas existem unicamente "dentro" da web, apesar de possuírem também interseção com o tempo e os lugares reais. Talvez algumas dessas linhas sejam "extraordinárias", no sentido que não existem convenções para sua classificação. Talvez essas linhas possam ser melhor estudadas à luz da ciência do caos do que à luz da sociologia, estatística, economia etc. Os padrões de força que geram a existência da TAZ têm algo em comum com estes caóticos "Estranhos Atratores" que existem, por modo de dizer, entre as dimensões. Por uma característica de sua própria natureza, a TAZ faz uso de qualquer meio disponível para concretizar-se - pode ganhar vida tanto numa caverna quanto numa cidade espacial - mas, acima de tudo, ela vai viver, agora, ou o quanto antes, sob qualquer forma, seja ela suspeita ou desorganizada. Espontaneamente, sem preocupar-se com ideologias ou anti-ideologias. Ela vai fazer uso do computador porque o computador existe, mas também usará poderes tão completamente divorciados da alienação e da simulação que lhe garantirão um certo paleolitismo psíquico, um espírito xamânico primordial que vai "infectar" até a própria net (o verdadeiro sentido do cyberpunk, como eu o entendo).
Porque a TAZ é uma intensificação, um excesso, uma abundância, um potlatch, a vida vivida em vez de sobrevivida (a chorosa marca dos anos 80), e não pode ser definida como tecnológica ou anti-tecnológica. Ela se contradiz, como alguém que verdadeiramente despreza fantasmas e aparições, porque deseja ser, a qualquer custo ou prejuízo para a "perfeição" ou imobilidade final. No Mandelbrot Set6 e em suas variações no campo da computação gráfica, encontramos – num universo fractal - mapas que estão embutidos e escondidos dentro de mapas que estão dentro de outros mapas etc., até o limite do poder do computador. Qual é a função deste mapa que de certo modo apresenta uma escala de 1:1 em relação à dimensão fractal? O que podemos fazer com ele, além de admirar sua elegância psicodélica? Se fôssemos imaginar um mapa da informação - uma projeção cartográfica da net como um todo - teríamos que incluir os elementos do caos que já começaram a aparecer, por exemplo, nas operações de processos paralelos complexos, nas telecomunicações, na transferência de "dinheiro" eletrônico, nos vírus, na guerrilha dos hackers etc. Cada uma dessas "áreas" de caos poderiam ser representadas por topografias semelhantes às do Mandeibrot Set, de forma que as "penínsulas" ficassem embutidas ou escondidas dentro do mapa e quase "desaparecessem". Esta "escrita" - que em parte desaparece e em parte se esconde - representa o próprio processo que já é parte intrínseca da net, não totalmente visível nem para si mesmo, in-Controlável. Em outras palavras, o M Set, ou qualquer coisa semelhante, pode vir a ser útil na "armação" (em todos os sentidos da palavra) para o surgimento da contra-net como um processo caótico ou, para usar um termo de Prigogine, como uma "evolução criativa". No mínimo, o M Set serve como uma metáfora para o "mapeamento" da interface da TAZ com a net como um desaparecimentda informação. Toda "catástrofe" na net é um nódulo de poder para a web, oa contra-net. A net será prejudicada pelo caos, enquanto que a web vai prosperar nele. Seja através de uma simples pirataria de dados, ou do desenvolvimento de formas mais complexas de relacionamento com o caos, o hacker da web, o cibernauta da TAZ, encontrará maneiras de aproveitar as perturbações, quedas e breakdowns da net (maneiras de gerar informação a partir da "entropia"). O hacker da TAZ trabalhará para a evolução de conexões fractais clandestinas como um rastreador de fragmentos de informações, um contrabandista, um chantagista, talvez até mesmo como um ciber-terrorista. Estas conexões, e as diferentes informações que fluem entre elas e por elas, formarão as "válvulas de poder" para a emergência da própria TAZ - como é necessário roubar energia elétrica dos monopólios distribuidores de eletricidade para iluminar uma casa abandonada que foi invadida. Desta forma, a web, para produzir situações propícias para a TAZ, irá paralisar a net. Mas também podemos conceber esta estratégia como uma tentativa de arquitetar a construção de uma net alternativa e autônoma, "livre" e não parasítica, que servirá como a base de uma "nova sociedade emergindo do invólucro da antiga". Em termos práticos, a contranet e a TAZ podem ser consideradas como fins em si mesmas - mas, em teoria, também podem ser vistas como formas da batalha para se forjar uma realidade diferente. Uma vez dito isso, devemos admitir algumas falhas nos computadores, algumas questões ainda sem resposta, especialmente em relação aos PCs (computadores pessoais). A história da rede de computadores, BBS e várias outras experiências em eletro-democracia tem sido até agora mais um hobby do que qualquer outra coisa. Muitos anarquistas e liberais mantêm uma grande esperança no PC como uma arma para a libertação e auto-liberação - mas não temos ainda nenhum ganho real, nenhuma liberdade palpável. Não tenho interesse algum por uma hipotética classe empreendedora emergente formada por processadores de dados autônomos que logo estarão capacitados para administrar uma grande empresa de queijos ou qualquer outro trabalho de merda para várias corporações e burocracias.
No entanto, não é preciso ser bidu para prever que esta "classe" vai gerar sua subclasse - um tipo de proletariado mauricinho: por exemplo, donas-de-casa que trarão um "segundo salário" para suas famílias transformando suas próprias casas em lojinhas eletrônicas, formando pequenas tiranias de trabalho, onde o "patrão" é a rede de computadores. Também não me impressionam os tipos de informações e serviços oferecidos pelas redes contemporâneas "radicais". Dizem que em algum lugar existe uma "economia da informação". Talvez, mas a info trocada pêlos canais "alternativos" de BBS parece ser constituída integralmente de conversa fiada ou papo tecnológico. Isso é uma nova economia? Ou apenas um passatempo para os aficionados? OK, os PCs causaram uma nova "revolução da imprensa". OK, redes marginais na web estão evoluindo. OK, posso agora fazer seis telefonemas ao mesmo tempo. Mas que diferença isso faz para minha vida diária? Francamente, eu já possuía muitos dados para alimentar meus sentidos e percepções: livros, filmes, TV, teatro, telefone, correio, estados alterados de consciência, e daí por diante. Preciso realmente de um PC para obter ainda mais informações desse tipo? Você me oferece informação secreta? Bem... talvez. Fico tentado, mas eu exijo segredos maravilhosos, e não apenas os números de telefones que não estão na lista ou trivialidades sobre a polícia e os políticos. Sobretudo, quero que os computadores me forneçam informações relacionadas a bens reais - "as coisas boas da vida", como o IWW Preamble diz. Agora, já que acuso os hackers e os usuários das BBS de possuírem uma irritante vacuidade intelectual, devo descer das nuvens barrocas da teoria e da crítica e explicar o que quero dizer com benreais.
Eu diria que tanto por razões políticas quanto culturais eu desejo boa comida, uma comida melhor do que esta que posso obter do capitalismo - não poluída e agraciada com sabores fortes e naturais. Para complicar, imagine que a comida que eu desejo é ilegal - talvez leite não pasteurizado, ou a deliciosa fruta cubana mamey, que não pode ser importada pelos EUA porque suas sementes são alucinógenas (pelo menos foi isso que me disseram). Não sou um fazendeiro. Finja que eu seja um importador de perfumes raros e afrodisíacos, e suponha que a maior parte do meu estoque seja ilegal. Ou talvez eu apenas queira trocar serviços de processamento de dados por nabos orgânicos, mas recuse a declará-lo no imposto de renda (como a lei exige, acredite se puder). Ou talvez eu queira encontrar-me com outros seres humanos para atos de prazer de comum acordo, mas ilegais (isto já foi tentado, mas todas as BBS de sexo hardcore foram proibidas - e de que serve um mundo underground com uma torpe segurança?). Em suma, suponha que eu esteja cansado de mera informação, do fantasma dentro da máquina. De acordo com vocês, os computadores já deveriam ser capazes de possibilitar a realização dos meus desejos por comida, drogas, sexo, sonegação fiscal. Então, qual é o problema? Por que isso não está acontecendo? A TAZ aconteceu, está acontecendo e vai acontecer com ou sem o computador. Mas para que a TAZ realize plenamente o seu potencial, ela deve tornar-se menos um caso de combustão espontânea e mais uma situação de "ilhas na net". A net, ou melhor, a contra-net assume a promessa de ser um aspecto integral da TAZ, uma adição que irá multiplicar o seu potencial, um salto "quantum", um salto enorme em termos de complexidade e significância. A TAZ agora deve existir dentro de um mundo de espaço puro, o mundo dos sentidos. No limiar, mesmo num ponto de evanescência, a TAZ deve combinar informações e desejos para realizar sua aventura (seu "acontecimento"), para preencher-se até as bordas de seu destino, para intensificar-se com sua própria emergência.
Talvez a escola neo-paleolítica tenha razão quando diz que todas as formas de alienação e mediação devem ser destruídas ou abandonadas como condição para que nossas metas sejam alcançadas - ou talvez o anarquismo verdadeiro só possa ser realizado no espaço sideral, como dizem alguns libertários futurólogos. Mas a TAZ não se preocupa muito com o "foi" ou o "será". A TAZ está interessada em resultados, ataques com êxito à realidade consensual, conquistas de patamares de vida mais altos e intensos. Se o computador não pode ser utilizado para este projeto, então ele precisa ser dispensado. Minha intuição, no entanto, diz que a contra-net já está se formando, ou talvez já exista - embora eu não possa prová-lo. A teoria da TAZ está, em grande parte, baseada nesta intuição. É claro que a nossa web também encerra redes de troca não-computadorizadas, como a samizdat, o mercado negro etc. - mas o pleno potencial de redes de informação não hierárquicas aponta para o computador como seu instrumento excelência. Agora, espero pelos hackers que provem que estou certo, que minha intuição é válida.
Onde estão meus nabos? (...)

terça-feira, 21 de julho de 2009

Terrorismo Póetico


DANÇAR DE FORMA BIZARRA durante a noite inteira nos caixas eletrônicos dos bancos. Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe um poema. Seqüestre alguém e o faça feliz. Escolha alguém ao acaso e o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna - digamos, 5 mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, esta pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário e talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.Fique nu para simbolizar algo.Organize uma greve em sua escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência e beleza espiritual.A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões de metrô e sóbrios monumentos públicos - a arte-TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte-xerox sob o limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádios piratas, cimento fresco...A reação do público ou o choque-estético produzido pelo TP tem de ser uma emoção pelo menos tão forte quanto o terror - profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta - não importa se o TP é dirigido a apenas uma ou várias pessoas, se é "assinado" ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Para que funcione, O TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas da guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez já tenham se tornado conhecidas e previsíveis demais.Uma primorosa sedução praticada não apenas em busca da satisfação mútua, mas também como um ato consciente de uma vida deliberadamente bela - talvez isso seja o TP em seu mais alto grau. Os Terroristas-Poéticos comportam-se como um trapaceiro totalmente confiante cujo objetivo não é o dinheiro, mas TRANSFORMAÇÃO.Não faça TP para outros artistas, faça-o para aquelas pessoas que não perceberão (pelo menos não imediatamente) que aquilo que você fez é arte. Evite categorias-artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, assuma riscos, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida - mas não seja espontâneo a menos que a musa do TP tenha se apossado de você.Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.

domingo, 28 de junho de 2009

DECLARAÇÃO PIRATA Capitão Bellamy (TAZ)


DANIEL DEFOE, escrevendo sob o pseudônimo de capitão Charles Johnson, escreveu o que se tornou o primeiro texto histórico sobre os piratas, A General History of the Robberies and Murders of the MosNotorious Pirates (Uma História Geral dos Roubos e Assassinatos dos Maist Notórios Piratas). De acordo com Jolly Roger (a bandeira pirata), de Patrick Pringie, o recrutamento de piratas era mais efetivo entre os desempregados, fugitivos e criminosos desterrados. O alto-mar contribuiu para um instantâneo nivelamento das desigualdades de classe. Defoe relata que um pirata chamado capitão Bellamy fez este discurso para o capitão de um navio mercante que ele tomou como refém. O capitão tinha acabado de recusar um convite para se juntar aos piratas: Sinto muito que eles não vão deixar você ter sua chalupa de volta, pois eu desaprovo fazer mesquinharia com qualquer um, quando não é para minha vantagem. Dane-se a chalupa, nós vamos naufragá-la e ela poderia ser de uso para você. Embora você seja um cachorrinho servil, e assim são todos aqueles que se submetem a ser governados por leis que os
homens ricos fazem para sua própria segurança; pois os covardes não têm coragem nem para defender eles mesmos o que conseguiram por vilania; mas danem-se todos vocês: danem-se eles, um monte de patifes astutos e vocês, que os servem, um bando de corações de galinha cabeças ocas. Eles nos difamam, os canalhas, quando há apenas esta diferença: eles roubam os
pobres sob a cobertura da lei, sem dúvida, e nós roubamos os ricos sob a proteção de nossa própria coragem. Não é melhor tornar-se então um de nós, em vez de rastejar atrás desses vilões por emprego? Quando o capitão replicou que a sua consciência não o deixaria romper com as regras de Deus e dos homens, o pirata Bellamy continuou: Você é um patife de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre e tenho autoridade suficiente para levantar guerra contra o mundo todo, como quem tem uma centena de navios no mar e um exército de 100 mil homens no campo; e isto a minha consciência me diz: não há conversa com tais cães chorões, que deixam os superiores chutá-los pelo convés a seu bel prazer.


Hakim Bey

quinta-feira, 25 de junho de 2009

INSTRUÇÕES PARA A KALI YUGA/UM POEMA DE HAKIM BEY:


O Kali Yuga ainda tem mais ou menos 200 mil anos para brincar – uma boa notícia para advogados & avatares do Caos, mas uma má notícia para brâmanes, jeovistas(1), deuses da burocracia & seus lacaios.

Eu sabia que Darjeeling guardava alguma coisa para mim assim que eu ouvi o seu nome – dorje ling – cidade do trovão. Cheguei um pouco antes das monções, em 1969. Antiga estação montanhosa britânica, sede de verão para o governo de Bengala – ruas com a forma de escadas de madeira curvas, do mercado se avistava Sikkim & o Monte Katchenhunga – templos & refugiados tibetanos – belas pessoas de porcelana amarela chamadas Lepchas (os verdadeiros aborígenes) – hindus, muçulmanos, nepaleses & budistas butaneses, além de ingleses decadentes que perderam o caminho para casa em 1947, ainda à frente de bancos antiquados & lojas de chá.

Conheci Ganesh Baba, um saddhu gordo e de barbas brancas com um hiper-impecável sotaque de Oxford – nunca vi ninguém fumar tanta maconha, um narguilé cheio após o outro, perambulávamos pelas ruas, onde ele jogava bola com crianças barulhentas ou arrumava brigas nos bazares, perseguindo funcionários do comércio com seu guarda-chuva, & morrendo de rir.

Ele me apresentou a Sri Kamanaransan Biswas, um homem de meia-idade, pequeno e delicado, metido num terno surrado. Era funcionário do governo de Bengala, & se ofereceu para me ensinar tantra. Mr. Biswas vivia num minúsculo bangalô empoleirado num morro íngreme, enevoado e salpicado de pinheiros, onde eu o visitava diariamente com doses de conhaque barato para puja(2) & bebericagens – ele me encorajava a fumar enquanto conversávamos, uma vez que, para Kali, também a maconha é sagrada.

Em sua selvagem juventude, Mr. Biswas havia sido membro do Partido Terrorista de Bengala, que incluía tanto adoradores de Kali & místicos muçulmanos heréticos quanto anarquistas & extremistas de esquerda. Ganesh Baba parecia aprovar este passado secreto, como se fosse um sinal da força tântrica oculta de Mr. Biswas, escondida por trás de sua aparência externa dócil e acomodada.

Nós discutimos minhas leituras de Sir John Woodruffe (Arthur de Avalon) todas as tardes. Eu caminhava até lá através da neblina fria do verão, de armadilhas de espíritos tibetanas adejando na brisa úmida que surgia da bruma & dos cedros. Praticávamos o Tara-mantra e o Tara-mudra (ou Yoni-mudra), e estudávamos o diagrama Tara-iantra para fins mágicos. Uma vez, visitamos um templo para o Marte hindu (como o nosso, ao mesmo tempo planeta & deus da guerra), onde ele comprou um anel de dedo feito de prego de ferradura de cavalo e me deu.

Mais conhaque & maconha.Tara: uma das formas de Kali, muito semelhante em atributos. Meio anã, nua, com quatro braços armados, dançando sobre um Shiva morto, colar de crânios de cabeças cortadas, língua gotejando sangue, pele de um profundo azul-cinzento (a cor precisa das nuvens das monções). Todo dia, mais chuva – deslizamentos de terra bloqueando as estradas. Meu visto de permanência em área fronteiriça expira. Mr. Biswas & eu descemos as deslizantes montanhas dos Himalaias de jipe e de trem rumo à sua cidade natal, Siliguri, localizada nas planícies planas de Bengala, onde o Ganges estende-se num encharcado delta verdejante.

Visitamos sua esposa no hospital. No ano anterior, uma enchente havia submergido Siliguri e matado dezenas de milhares de pessoas. Houve uma epidemia de cólera, a cidade inteira parecia um naufrágio, manchada de algas & arruinada, as paredes do hospital ainda estavam empastadas de lodo, sangue, vômito, os líquidos da morte. Ela se senta silenciosa na sua cama olhando sem piscar para destinos horrendos. O lado negro da deusa. Ele me dá uma litografia colorida de Tara que miraculosamente flutuou sobre a água & foi salva.

Naquela noite assistimos a uma cerimônia no templo local para Kali, um pequeno, humilde e meio arruinado santuário à beira da estrada – a luz proveniente de tochas era a única iluminação – cânticos e tambores com uma síncope estranha, quase africana, totalmente anticlássica, primordial & no entanto insanamente complexa. Bebemos, fumamos.

Só no cemitério, próximos a um cadáver meio-queimado, sou iniciado no Tara Tantra. No dia seguinte, febril & distante, dou adeus e sigo para Assam, para o grande templo do yoni (3) de Shakti, em Gauhati, em tempo para o festival anual. Assam é território proibido & eu não tenho um visto. À meia-noite, em Gauhati, caio fora do trem, volto pelos trilhos sob chuva & com lama até os joelhos em total escuridão, ando às cegas até finalmente entrar na cidade & encontro um hotel cheio de insetos. Estou doente como um cão. Não durmo.

De manhã, viagem de ônibus para o templo, que fica numa montanha próxima. Torres enormes, divindades pululantes, pátios, edifícios anexos – centenas de milhares de peregrinos – saddhus esquisitos vindos de suas cavernas de gelo atarracados em peles de tigre & cantando. Ovelhas e pombos estão sendo abatidos aos milhares, uma verdadeira hecatombe – (nenhum outro sahib branco em vista) – as sarjetas escoam uma polegada de sangue – espadas-Kali de lâmina curva cortam cortam cortam, cabeças mortas rolam nas pedras escorregadias da rua.

Quando Shiva cortou Shakti em 53 peças e as espalhou sobre toda a bacia do Ganges, sua vagina caiu lá. Alguns sacerdotes amigáveis falam inglês e me ajudam a encontrar a caverna onde o Yoni está exposto. Nessas alturas, sei que estou seriamente doente, mas determinado a terminar o ritual. Uma multidão de peregrinos (todos ao menos uma cabeça mais baixos do que eu) literalmente me engolfam como a correnteza do mar, & me carregam suspendido enquanto descemos umas escadas curvas, asfixiantes e trogloditas até entrar numa caverna-ventre claustrofóbica onde eu giro nauseado & alucinado em direção a um meteorito cônico sem forma manchado por séculos de ghee (4) e ocre. A multidão se abre para mim, & me permite atirar uma guirlanda de jasmins sobre o yoni.

Uma semana mais tarde, em Katmandu, dei entrada no Hospital Missionário Germânico (por um mês) com hepatite. Um pequeno preço a pagar para todo aquele conhecimento – o fígado de algum coronel aposentado de uma história de Kipling! – mas eu a conheço, eu conheço Kali. Sim, absolutamente o arquétipo de todo aquele horror, mas para aqueles que a conhecem, ela se torne a mãe generosa. Mais tarde, numa caverna na selva sobre Rishikish, eu meditei sobre Tara por muitos dias (com mantra, iantra, mudra, incenso & flores) & retornei à serenidade de Darjeeling, e de suas visões benéficas.

Sua era deve conter horrores, pois a maioria de nós não pode compreendê-la ou alcançar a guirlanda de jasmins além do colar de crânios, conhecendo até que ponto eles são a mesma coisa. Atravessar o Caos, cavalgá-lo como um tigre, abraçá-lo (mesmo sexualmente) & absorver algo de sua shakti, sua força-vital – este é o caminho de Kali Yuga. Niilismo criativo. Para aqueles que o seguem ela promete iluminação & até mesmo riqueza, uma parcela de seu poder temporal.

A sexualidade & a violência servem como metáfora num poema que age diretamente sobre a consciência através da Imagem-inação – ou talvez nas circunstâncias corretas elas possam ser abertamente distribuídas & gozadas, embebidas com o sentido do sagrado de cada coisa, desde o êxtase & o vinho até o lixo & os cadáveres.

Aqueles que a ignoram ou a vêem fora de si mesmos estão arriscados de destruição.

Aqueles que a adoram como ishta-devata, ou ser divino, degustam de sua Era do Ferro como se fosse ouro, conhecendo a alquimia de sua presença.


1. Adeptos do jeovismo, culto a Jeová.

2. Cerimônia onde são feitas oferendas a deidades, normalmente hinduístas ou budistas.

3. Símbolo sagrado hinduísta representado o órgão genital feminino.

4. Espécie de manteiga indiana, também usada como óleo.


Fonte: Baderna

ARTE-SABOTAGEM


Queima pública de livros – porque caipiras reacionários & funcionários das alfândegas devem monopolizar essa arma? Livros sobre crianças possuídas pelo demônio; a lista de best sellers do The New York Times; tratados feministas contra a pornografia; livros escolares (especialmente de estudos Sociais, Educação Moral e Cívica & Saúde); pilhas do New York Post, Village Voice &
outros jornais de supermercado; uma compilação de editoras cristãs; alguns romances populares – uma atmosfera festiva, garrafas de vinho & baseados numa tarde clara de outono.
Se certas galerias & museus merecem, de vez em quando, receber uma tijolada pela janela – não a destruição, mas sim uma sacudida na sua complacência -, então o que dizer dos BANCOS? Galerias transformam beleza em mercadoria, mas bancos transmutam a Imaginação em vezes & dívida. O mundo não ganharia um pouco mais de beleza com cada banco que tremesse... ou caísse?
Não faça piquetes – vandalize. Não proteste – desfigure. Quando feiúra, design podre & desperdícios estúpidos estiverem sendo impostos a você, transforme-se num ludita, jogue o sapato no mecanismo, retalie. Esmague os símbolos do Império, mas não o faça em nome de nada que não seja a busca do coração pela graça.

Hakim Bey