terça-feira, 28 de julho de 2009

Um Projeto para Associações de Bairros Autônomos e Democráticos e Como Criá-los ...


O propósito principal deste texto é tentar persuadir os revolucionários de mudar os locais da luta anticapitalista, escolhendo novos campos de batalha. Eu identifico três locais estratégicos de luta — bairros, locais de trabalho, e Casas — o qual eu acredito não só nos permitirá derrotar os capitalistas mas também construir uma nova sociedade nesse processo.

A vantagem de mudar o campo de batalha para estes três locais estratégicos é a adoção de uma estratégia ofensiva, não somente defensiva. Quer dizer, não apenas reagir àquilo que não gostamos e queremos destruir, não apenas resistindo ao que eles estão fazendo conosco, mais efetivo que apenas a defesa é também partir para o ataque utilizando nossa criatividade e novas formas sociais. O que significa começar a tomar a iniciativa de construir a vida queremos, lutar para defender a vida, e defender nossas concepções sociais dos ataques da classe dominante. Eu penso que as pessoas estarão muito mais dispostas a lutar por algo assim, que simplesmente afrontar a classe dominante em outros locais, que parecem freqüentemente distantes das suas vidas cotidianas. Mas é bom que tenhamos a clareza de que isto nos envolverá em lutas terríveis. Nunca poderemos estabelecer uma livre-associação em qualquer destes locais sem confrontar diretamente com o poder da classe dominante. (...)


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UMA NOÇÃO DE COMO PODEMOS QUERER VIVER

Vamos nos concentrar em um mundo alternativo. Suponhamos, por um momento, que seja possível construir um mundo social totalmente novo a partir do nada, ou seja, se fôssemos construir os bairros do nosso jeito. Com seriam?

Eu imaginei um bairro assim (veja abaixo a nota de rodapé sobre terminologia):

Casas: Casas [no contexto dessa proposta] são unidades de aproximadamente 200 pessoas coabitando em um complexo de edifícios disponibilizando uma variedade de infra-estruturas para indivíduos isolados, duas pessoas, famílias, e grandes famílias. O complexo teria instalações para reuniões, espaços comunais, (como também espaços privativos) cozinha, lavanderia, educação básica, oficina de manutenção, oficinas de treinamento, ambulatório de cuidados médicos básicos, enfermaria de recém-nascidos, pronto-socorro, e algumas instalações recreativas. As Casas são administradas democrática e cooperativamente por uma Assembléia direta de membros (Assembléia da Casa).

Projetos: Os Projetos incluiriam todas as atividades cooperativas (mais de uma pessoa): agricultura, fabrica, ensino superior, pesquisa, medicina avançada, comunicações, transporte, artes, jogos esportivos, e assim sucessivamente, juntamente com outras atividades cooperativas dentro da própria Casa (cozinha, ensino, cuidados com crianças, serviços médicos, manutenção, etc.). Os edifícios seriam projetados e construídos para estas várias atividades. Interiormente, tais Projetos seriam administrados democrática e cooperativamente por uma assembléia direta de sócios (Assembléia de Projeto). Alguns Projetos, talvez a maioria, seriam controlados, no bom sentido, diretamente pelo bairro, pela Assembléia do Bairro. Outros Projetos seriam controlados por acordos costurados entre várias ou muitas Assembléias dos Bairros.

Círculo Operário: Círculos Operários seriam unidades de aproximadamente 30-50 pessoas. Cada pessoa no bairro pertencerá a apenas um agrupamento de afinidade, desenhado em seu Projeto piloto. Eventualmente tais agrupamentos por afinidade serão compostos por pessoas da mesma Casa mas a maioria delas estará envolvida com Projetos fora da Casa, ou até mesmo fora do bairro. Todos os Projetos (atividades cooperativas) serão tocados por tais agrupamentos. Estes agrupamentos se reunirão dentro do Projeto para discutir assuntos, os quais, se necessário, serão levados às assembléias gerais. Os assuntos já discutidos no interior de cada Projeto serão votados dentro das reuniões. As reuniões dos Círculos Operários são necessárias por causa das deliberações e genuínas discussões praticadas frente-a-frente em grupos com mais de 50 pessoas.

Se surgirem pessoas de uma mesma Casa mas que atuam em Projetos diferentes e queiram passar a trabalhar conjuntamente de forma autônoma, poderão recorrer à Assembléia da Casa enquanto entidade distinta, diferente da Assembléia do Projeto (local de trabalho), embora a Casa possua Círculos Operários atuando em Projetos como cozinha, educação, cuidado de crianças, e cuidados médicos.

Assembléia da Casa: A Assembléia da Casa é o núcleo da criação social. É uma assembléia de um bairro inteiro, em torno de 2000 pessoas, reunido em um espaço próprio e suficientemente grande para facilitar a discussão democrática direta e a tomada de decisão. Claro que na prática o tamanho das Assembléias de Casas variará consideravelmente. Seu limite superior é entretanto determinado pelo número das pessoas que podem se encontrar em um espaço suficientemente grande para que possam participar democraticamente das discussões, frente-a-frente, e para desenvolver os processos de tomada de decisão.

Uma Associação de Assembléias de Casas: As Assembléias de Casas poderão se unir umas às outras, por meio de pacto ou acordo combinado, formando uma associação maior. Haverá um acordo global que definirá a associação em geral, como também muitos acordos específicos para Projetos em particular.

Na Assembléia de Casas é o bairro que se governa. O bairro faz suas próprias regras, aloca seus próprios recursos e energias, e negocia seus próprios tratados com outros bairros. O bairro controlará o espaço físico onde se situa, assim como todos os Projetos e Casas dentro dele.

Por favor note o que este arranjo de relações sociais não tem: hierarquia, representação, escravo assalariado, motivo de lucro, classes, propriedade privada dos meios de produção, impostos, nação-estado, patriarcado, alienação, exploração, elite de controle profissional de qualquer atividade, ou divisões formais por raça, gênero, idade, etnia, pontos de vista, convicções, ou inteligência. Este bairro, assim organizado, será a unidade básica da nova ordem social.

Aqueles que estão familiarizados com as tradições radicais reconhecerão um foco anarco-comunista neste esboço de comunidade, um foco anarco-sindicalista no controle dos trabalhadores, e um foco feminista pela abolição da distinção entre esferas públicas e privadas da vida social. Acredito que sem a presença de cada um desses elementos os outros não poderão ser alcançados. Se apenas os trabalhadores controlassem tudo sozinhos sem deixar nenhum espaço de tomada de decisão à comunidade como um todo (decida sobre a alocação de recursos ou se, por exemplo, se interrompe um Projeto ou inicia outro). Impedir que a comunidade participe também no controle dos meios de produção é algo sem sentido, vazio. O fracasso na democratização e na socialização das Casas, o fracasso em incluí-las (e sua conseqüentemente reprodução) como parte explícita e integrante dos arranjos sociais, deixaria intacta a divisão por gênero, ao mesmo tempo em que perpetuaria a dicotomia público/privado.

Nas recentes décadas surgiram novas cidades, praticamente do nada, principalmente pelo “fomento” de empreendimentos comerciais. Também, muitas Casas utópicas completamente novas foram estabelecidas ao longo do século XIX nos Estados Unidos, e talvez em outros lugares. Seguramente será possível, tendo os recursos, construir novas Casas a partir do nada no futuro, pelo menos em uma escala limitada. Entretanto, esta será certamente mais uma exceção do que uma regra, especialmente no começo desta revolução. Na maioria das vezes, construir a partir do nada estará fora de questão durante os primeiros 50-75 anos.

Portanto, a tarefa atual que enfrentamos é transformar estruturas existentes (edifícios, fábricas) e relações sociais naquilo que desejamos. Precisamos tentar imaginar como nosso bairro modelo ficaria depois de ter sido convertido a partir de um bairro urbano típico (em vez de construí-lo do nada). Vejamos primeiro se podemos converter a fábrica física existente em algo mais útil ao viver democrático, cooperativo, sem esquecer que esta é a parte mais fácil; difícil mesmo é transformas as relações sociais (por exemplo, propriedade, família, trabalho, e as relações que exercem entre si). Lidarei com isto mais abaixo discutindo como chegar lá.

Fábricas e lojas podem ser facilmente adaptadas, caso não possam ser usadas do jeito como estão (depois que forem tomadas, claro). Algumas áreas terão que ser dedicadas às reuniões dos Círculos Operários e assembléias de Projetos.

Mais difícil será transformar uma rua cheia de residências individuais em uma Casa. Provavelmente algumas improvisações podem ser feitas: construir passagens e túneis entre os edifícios; reservar salas para seminários, para crianças, cuidados médicos; bloquear certas ruas para organizar a entrada na unidade; providenciar uma ou duas cozinhas por unidade comunal; rearranjar quartos; reservar um espaço para reuniões.

Também será difícil achar um espaço para a Assembléia de Casas. Porém, há opções. Pode haver um auditório de sindicato, uma igreja, uma pista de patinação, ou um ginásio de escola secundária no bairro. Mas também, armazéns, supermercados, e lojas de departamentos cujos grandes espaços abertos poderiam ser transformados em local de reunião. Porém, a maioria destes espaços não poderá comportar mais do que 2000 pessoas. Pode ser necessário começar com mini Assembléias de Casas — digamos, cinco Casas de 200 pessoas cada — formando uma Assembléia de Casas de 1000 sócios, em vez de dez Casas formando uma Assembléia de Casas de 2000 sócios.

Mais tarde, quando o fluxo de riqueza do bairro para a classe dominante for interrompido, quando a riqueza roubada pela classe dominante for reapropriada, os bairros irão querer, indubitavelmente, e terão recursos para fazer isso, construir espaços mais apropriados para a Assembléia de Casas, especialmente projetados para isso, como também novos complexos comunitários. Mas no princípio teremos que sobreviver com o que já existe. Todas as riquezas produzidas por séculos a fio estão embutidas no desenho arquitetônico atual, um desenho que reflete os valores, prioridades, e relações sociais capitalistas. Levará muito tempo até que possamos demolir e reconstruir todo esse mundo físico, de forma a expressar as necessidades de pessoas livres.

Uma vez reconstruída, nossa nova civilização será caracterizada pelos seus espaços reservados à realização de assembléias. Da mesma maneira que mundos anteriores foram caracterizados pelas pirâmides do Egito antigo, pelos templos e teatros da Grécia antiga, pelos castelos e catedrais da Europa medieval, e pelos bancos e arranha-céus do capitalismo moderno, assim, o novo mundo social de pessoas cooperativamente autônomas será conhecido pelos seus espaços de reunião. Tais espaços em sua maioria terão distintas características arquitetônicas. Indubitavelmente serão de todas as formas e tamanhos. Além das grandes câmaras de assembléia gerais para os bairros (Assembléias de Casas), serão necessários alguns pequenos espaços que se adeqüem ao desenvolvimento dos Projetos necessários a cada Casa e aos encontros do Círculo Operário, como também espaços maiores para Projetos ampliados e assembléias de Casas ampliadas. Após discussão e aprovação, algumas pessoas projetarão, construirão, e equiparão bonitos e excelentes espaços para deliberação.

Para completar este esboço é necessário que imaginemos dois arranjos, um para uma pequena cidade típica, e outro para aldeia camponesa típica, duas entidades sociais em vias de extinção (em virtude das violentas imposições de nossos governantes corporativos). As aldeias camponesas de todo o mundo que ainda subsistem estão sob um pesado ataque e desaparecendo rapidamente, não obstante, algumas delas possuem base comunitária, com muitas tradições comunais ainda intactas. Nem sempre estas tradições são compatíveis à criação de sociedades livres, anárquicas, mas algumas delas são. Afinal de contas, o próprio Marx acreditava que a Rússia poderia escapar do capitalismo movendo-se diretamente para o comunismo, construindo-o numa Casa camponesa. Cidades pequenas ainda existem, em qualquer país. Até mesmo em um país altamente urbanizado como os Estados Unidos, ainda há 20.000 cidades com uma população com menos de 10.000 habitantes, 15.000 delas com menos de 2.500 habitantes. Não há nada que impeça essas pequenas cidades de adotarem agora mesmo a democracia direta, se quisessem.

Acho que será mais fácil transformar cidades pequenas e aldeias camponesas em nossos desejados bairros do que subúrbios ou áreas urbanas densas. Mas talvez não. Megalópoles e subúrbios seguramente se esvaziarão, a cada década de nova civilização, repopulando a zona rural com habitações de Casas, cooperativas, autônomas, de pessoas livres. (Desnecessário dizer, os habitantes das grandes favelas do mundo neo-colonizado serão os primeiros a ir para o campo).

Um bairro é um lugar muito pequeno, falando em termos relativos. Embora ainda haja muitas aldeias ou cidades pequenas isoladas no mundo com populações abaixo de 2.000 habitantes, elas estão desaparecendo rapidamente. A maioria de seus habitantes resolveu deslocar-se para áreas mais densamente habitadas. Considere uma cidade de, por exemplo, 90.000 habitantes que é uma cidade muito pequena pelos padrões de hoje. Considerando que a população média da Assembléia de Casas contenha 2.000 sócios cada uma, teremos 45 Assembléias de Casas naquela cidade. Uma cidade de 600.000 habitantes terá 300 Assembléias de Casas. Uma cidade de 1.800.000 terá 900, uma cidade de 9.000.000 terá 4.500.

Isto nos mostra imediatamente o tremendo poder desta estratégia. O ato de pessoas em uma cidade pequena de 60.000 habitantes reconstituindo-se em 30 corpos deliberativos e encarregando-se de suas vidas, recursos, e bairros é um ato revolucionário incrivelmente poderoso. O simples ato de assemblear é por si mesmo revolucionário, sem considerar nem mesmo tudo aquilo que tais assembléias podem fazer. Os capitalistas em muito dependem de nos manter todos isolados uns dos outros. Nossa assembléia começará a destruir esse isolamento. É um ato que será quase impossível parar, um ato que tem o poder para destruir o capitalismo e um ato que têm o potencial para construir uma civilização nova.

Este é o modo para pensar na revolução. Pessoas que se reagrupam por elas mesmas e que tomam decisões por assembléias auto-convocadas (reordenando, reconstituindo, e se reorganizando) em livre-associações na Casa, no trabalho, e no bairro. Os capitalistas atacarão isso. Eles podem proibir as reuniões, dispersá-las pela força, prender os participantes, ou até mesmo assassinar os assembleários. Mas se estivermos determinados eles não serão capazes de nos impedir de reconstruir por nós mesmos o tipo de mundo social que desejamos. (...)


este texto faz parte do livro " Libertando-se - Jared James (1998) "

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