segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A CONDIÇÃO VIRTUAL




AS REGRAS DA RESISTÊNCIA cultural e política mudaram radicalmente. A revolução pelo rápido desenvolvimento do computador e do vídeo criou uma nova geografia das relações de poder do Primeiro Mundo. Uma nova ordem que há cerca de vinte anos só poderia existir na imaginação: as pessoas estão reduzidas a dados, a vigilância ocorre em escala global, as mentes estão dissolvidas na realidade da tela do monitor. Surge u poder autoritário que floresce na ausência. A nova geografia é uma geografia virtual, e o núcleo da resistência política e cultural deve se afirmar neste espaço eletrônico.

O Ocidente está se preparando para este momento há dois mil e quinhentos anos. Sempre houve uma idéia de virtualidade, quer baseada no misticismo, quer no pensamento analítico abstrato, ou ainda na fantasia romântica. Todas estas abordagens deram forma e manipularam mundos invisíveis, acessíveis apenas por meio da imaginação, e em alguns casos estes modelos têm recebido privilégio ontológico. Os conceitos e ideologias contemporâneos do virtual são possíveis devido a estes sistemas de pensamentos preexistentes terem se expandido a partir da imaginação e terem se manifestado no desenvolvimento e na compreensão da tecnologia.

O trabalho a seguir, embora resumido, extrai sinais do virtual do passado a partir de narrativas históricas e filosóficas. Estes sinais mostram relações intertextuais entre sistemas de pensamento aparentemente dispares que agora foram recombinados em um corpo de “conhecimento” funcional sob o signo da tecnologia.

(...)

. . . . . . . . . .


385 A.C
( Platão )


Este artesão é capaz de fazer não apenas todo tipo de mobília como também todas as plantas que crescem da terra, todos os animais incluindo ele mesmo e, alem disso, a terra e o firmamento e os deuses, todas as coisas do céu e todas as coisas do Hades sob a terra.

Este programa é capaz de fazer não apenas todo tipo de mobília como também todas as plantas que crescem da terra, todos os animais incluindo ele mesmo e, alem disso, a terra e o firmamento e os deuses, todas as coisas do céu e todas as coisas do Hades sob a terra.


. . . . . . . . . . .


60 A.C
( Lucrecio )


Não existe qualquer objeto visível que consista de átomos de apenas um tipo. Tudo se compõe de uma mistura de elementos. O maior ou menor numero de qualidades e poderes de uma coisa são demonstrações da maior variedade nas formas dos átomos que a compõem.

Não existe qualquer objeto visível que consista de pixels de apenas um tipo. Tudo é uma mistura recombinante de representações. O maior ou menor numero de qualidades e poderes de uma imagem atesta a maior ou menor variedade nas formas dos pixels que a compõem.


. . . . . . . . . . .


413D.C
( Sto. Agostinho )


Há muitos réprobos misturados com os virtuosos, e ambos estão reunidos pelo evangelho como numa rede de arrasto. E neste mundo, como em um mar, todos nadam, sem distinção, na rede.

Há muitos réprobos misturados com os virtuosos, e ambos estão reunidos pelo banco de dados como se numa rede de arrasto. E neste mundo, como em um mar, todos nadam, sem distinção, na rede eletrônica.


. . . . . . . . . . .


1321
( Dante )


Então aqui na terra, em raio de luz que divide o ar dentro da sombra acolhedora que as artes e ofícios do homem inventam, nossa visão mortal observa partículas brilhantes de matéria percorrendo para cima e para baixo, de viés, arremessando-se ou redemoinhando-se, em trajetórias mais longas e mais curtas; mas sempre em mudança.

Então aqui na tela, em raio de luz que divide o ar dentro da sombra acolhedora que as artes e ofícios do homem inventam, nossa visão mortal observa partículas brilhantes de matéria percorrendo para cima e para baixo, de viés, arremessando-se ou redemoinhando-se, em trajetórias mais longas e mais curtas; mas sempre em mudança.


. . . . . . . . . . .


1872
( Nietzsche )

Mesmo quando esta realidade onírica é mais intensa, ainda temos, tremeluzindo por toda ela, a sensação de que não passa de aparência.

Mesmo quando esta realidade virtual é mais intensa, ainda temos, tremeluzindo por toda ela, a sensação de que não passa de aparência.


. . . . . . . . . . .

1881
( Nietzsche )


Trabalhamos apenas com coisas que não existem: linhas, planos, corpos, átomos, intervalos divisíveis de tempo, espaços divisíveis. Como podem as explicações ser possíveis quando primeiro transformamos tudo em uma imagem, nossa imagem.

Trabalhamos apenas com coisas que existem virtualmente: linhas, planos, corpos, átomos, intervalos divisíveis de tempo, espaços divisíveis. Como podem as explicações ser possíveis quando primeiro transformamos tudo em condição virtual, nossa condição virtual.

(...)

. . . . . . . . . . .


Á medida que fica cada vez mais óbvio que o ciberespaço não e campo dos sonhos de que falavam os visionários míopes da Nova Economia, fica também mais definida a imagem desse espaço como um novo campo de batalha. Um “lugar” onde império capitalista, fluido e nômade, tenta consolidar seu poder sobre tudo, mas e obrigado a enfrentar a resistência, que também já esta aprendendo a ser fluida e nômade.


Critical Art Ensemble (CAE) é um coletivo de cinco ativistas, focado na exploração das interseções entre arte, teoria critica, tecnologia e política radical.


Texto retirado do livro Distúrbio Eletrônico (CAE)

Nenhum comentário:

Postar um comentário