terça-feira, 1 de dezembro de 2009

UMA ENTREVISTA COM USUÁRIOS DA TÁTICA BLACK BLOCK




Identificam-se como Thomas, Andreas e Ralph, e foram usuários da estratégia Black Block, que lutou contra a polícia e o Estado em Gênova, os quais garantem que Carlo Giuliani também era adepto desta tática. Por motivos de segurança, não deixam que tirem fotografias suas, porque advertem que a repressão está generalizada. Os três usuários do Black Block explicam os objetivos dos métodos que utilizam, e valorizam as experiências de Gênova.

P: De onde surgiu o nome Black Block? Podemos falar de uma organização ou é um movimento autônomo?
BB: É verdade que o Block se originou de uma experiência ocorrida na Alemanha, nos anos 80, quando uma boa parte da esquerda radical autônoma alemã se vestia desta forma... de preto, e levavam capuzes e máscaras pretas para os enfrentamentos com a polícia. Era o desejo de participar de uma cultura política, ou talvez uma subcultura. Nunca existiu o Black Block como organização. Ali convergiram pessoas de diversos países que se uniram com a idéia de atacar a Zona Vermelha como repúdio à globalização do capitalismo e ao próprio capitalismo.

P: O verdadeiro debate está sendo transferido para o âmbito da violência/não-violência. Ele está sendo desvirtuado?
BB: É importante ver que é uma maneira de dividir a luta: alguns grupos antiglobalização partem da premissa que houve infiltração policial, e não querem admitir que existe gente disposta a este tipo de luta contra a globalização. É provável que o fundamento deste debate seja que nós queremos DESTRUIR o sistema capitalista por completo, e muitos dos grupos que fazem estas críticas não queiram mais do que reformas. É certo que há uma polêmica sobre a discussão em tomo da ação direta "roubar a cena" dos debates sobre globalização, mas em Gênova houve um contracongresso e a mídia não mencionou nada sobre isso, tal e qual fazem habitualmente. Só através da ação direta podemos romper com o bloqueio da mídia. Fica claro para nós que a questão principal é lutar para convencer as consciências, para criar várias consciências anticapitalistas. Portanto, qual é o resultado da ação direta? As classes dominantes já não sabem nem onde fazer a sua próxima cúpula, e vão ter que ir até as Montanhas Rochosas do Canadá. A classe dominante tem que se esconder da população e está sendo, por fim, "dominada". No fim das contas, tem que se esconder num lugar isolado do mundo porque sempre haverá manifestações.



EXPLICAÇÃO DA MOTIVAÇÃO
DO BLOCO NEGRO / ANARQUISTA



(...)
Primeiramente, sou um anarquista, e este texto foi escrito porque boa parte do posicionamento anarquista sobre táticas de enfrentamento de rua precisa ser explicada, principalmente após o assassinato do bravo combatente de rua Carlo Giuliani.
Ninguém deveria nutrir a expectativa de que uma transformação radical é um processo fácil e cômodo. Muitas pessoas estão furiosas, e perplexas diante dos acontecimentos em Gênova. Este artigo tem a intenção de ajudar a transformar parte dessa raiva e perplexidade em algo construtivo.
Uma vez que o movimento anarquista é um movimento antiautoritário constituído por livres pensadores, eu, é claro, somente falo por mim mesmo, mas acredito que muitos pensam a mesma coisa.

GÊNOVA

Não se trata simplesmente de uma defesa dogmática do Black Block de Gênova. O Black Block cometeu erros, estou certo disso, e existem controvérsias sobre como o Black Block pode eliminar seus problemas, porém ainda acredito no Black Block e na sua tática por muitos e bons motivos, que são:

(...)
3. Acredito que exibir pessoas revidando os ataques das forças de segurança não é sempre negativo ou leve as pessoas a se afastarem. Ao contrário da leve abordagem não-confrontacional de muitos outros ativistas, creio que a única maneira de manter a credibilidade é ser tão confrontacional quanto for apropriado em relação ao nosso opo-nente (nesse caso os líderes do G-8).
A confrontação efetiva, não a simbólica, é o que REALMENTE demonstra que estamos falando sério, e atrai mais pessoas ao movimento (diferentemente de contra-encontros, manifestos, passeatas etc., embora tudo isso também desempenhe um papel muito importante).

4. Acho que esse movimento foi assim tão longe por causa da sua diversidade. Os grupos aos quais apontei discordâncias com relação a certos aspectos, ainda os considero bem-vindos ao movimento, ainda quero cooperar e chegar a um entendimento para não interferir nas suas atividades (uma demonstração de respeito que muitos anarquistas não recebem de volta).
(...)

CONFRONTAÇÃO

O debate sobre o uso da força ou da não-violência deveria ser realmente descartado. No seu lugar seria muito mais útil debater qual seria a melhor tática confrontacional em determinada situação. Não é nem o enfrentamento de rua nem a não-violência que atrai as pessoas para o movimento, e sim o nível de confrontação.
Pegue Seattle como exemplo ilustrativo. Lá ocorreram principalmente ações não-violentas, e a maior parte das ações nãoviolentas foram centrais para o sucesso do bloqueio. A efetividade do bloqueio por sua vez demonstrou a confrontação aos nossos opressores que precisávamos para darmos o pontapé inicial do movimento. Após Seattle as pessoas foram atraídas para o movimento devido à efetiva obstrução da OMC, e não porque manifestantes pacíficos foram espancados, como alguns gostam de achar.
Quando se olha todos os eventos antiglobalização pode-se observar que todos eles têm em comum uma fórmula simples: eles são bem-sucedidos porque não são uma simples manifestação, mas sim uma confrontação ativa.
Agora observe como as táticas se desdobraram, de Seattle a Praga, de Melbourne a Quebec. Em todas essas manifestações a não-violência e o enfrentamento de rua foram efetivos no fomento de uma estimulante confrontação.
Porém, cada vez mais, o papel dos ativistas comprometidos com a não-violência em alcançar uma confrontação com aqueles que nos opomos tem diminuído, em favor do modelo de "protesto carnaval" que é, em uma escala de confrontação, na melhor das hipóteses apenas uma resistência simbólica.
São os anarquistas e o Black Block em particular, e cada vez mais grupos como o Ya Basta, que têm feito as táticas se manterem vigorosas e relevantes, por planejarem um modo de desafiar as cidades cercadas que agora são usadas pelos que estão no poder para proteger seus encontros.

MAS A VIOLÊNCIA É UM PROBLEMA

Não descarto os comentários feitos por pessoas que discordam do uso da violência. Na verdade eu encorajaria um diálogo entre as diferentes tendências um diálogo que, quem sabe, levaria à concepção de táticas melhores.
Um exemplo da interação de táticas de que necessitamos entre essas tendências seria a estratégia de separar as diferentes tendências (enfrentamento de rua/não-violência) em setores próprios, de modo' que as pessoas pudessem escolher como querem se envolver. Reconhecidamente esta estratégia às vezes falha, já que ela não leva em conta o fato de que a polícia nem sempre respeita a diferença, mas esse é o tipo de coisa sobre a qual devemos refletir e aperfeiçoar.

PARE A VIOLÊNCIA SENDO EFICAZ

A questão mais importante que precisa ser levada em conta diz respeito aos próprios ativistas comprometidos com a não-violência. Desde Seattle eles não têm conseguido, a maioria das vezes, criar novas táticas de ação direta não-violenta que mantivessem a confrontação entre nós e nossos opressores e adaptá-las ao modo de organização dos encontros.
Esses ativistas comprometidos com a ação direta não-violenta precisam imediatamente abandonar o modelo de bloqueio, e descartar a fórmula festa de rua/passeata como sua única reação, na medida que ambos são inefetivos para impedir esses encontros.
Em Gênova, os que estavam preparados para o enfrentamento de rua receberiam muito bem táticas não-violentas praticáveis para se entrar na zona vermelha e impedir a reunião do G-8.
Em retribuição às táticas não-violentas novas e efetivas, creio que o Black Block se absteria de usar a força enquanto essas táticas ainda funcionassem. Mas, como todos sabem, os que estão comprometidos com a ação direta não-violenta não aparecem com esses planos, eles se contentam com uma resistência simbólica, algo que sempre será intolerável para os que demandam uma transformação radical.

O QUE GANDHI TERIA FEITO?

Pense no que Gandhi teria feito. Teria ele sentado do lado de fora do portão de uma conferência, ou marchado em torno do centro de conferência, sabendo que isso não impediria nada, ou teria ele (talvez) escalado a cerca, ou feito outra coisa qualquer (isto é, encorajar uma greve geral)?
Eu pessoalmente, e muitos outros, não agüentamos assistir às pessoas serem passivamente espancadas, e nos defenderemos se atacados, mas respeitaremos os outros com suas próprias táticas. Se os teóricos da ação direta não-violenta aparecessem com alguma coisa eficaz, então eles receberiam o nosso apoio.

“A NÃO VIOLÊNCIA NOS ENSINA...”

Um dos problemas de fóruns como o Indymedia é a interminável retórica ostentada como argumento que aparece neles, tais como "violência gera violência" etc. etc. Essas pessoas precisam ser menos elitistas, descer do seu pedestal e perceber que as pessoas que lutam nas ruas refletiram sobre todas essas questões também, e simplesmente discordam.
Portanto, se queremos uma mudança de tática, se queremos acabar com o enfrentamento de rua, será preciso aparecermos com uma alternativa que continue a ser confrontacional. Uma das piores coisas do movimento, atualmente, é o modo como as pessoas se contentam em culpar os outros pelos erros no dia, esquivando-se assim da sua própria responsabilidade de se adaptar às diversas situações.

UM APELO

Por fim, eu gostaria de fazer um apelo àqueles que se engajam em enfrentamentos de rua e igualmente àqueles que acreditam na ação não-violenta:

1. Devemos permanecer unidos. Separados somos a insípida força isolada que o Estado e o capital têm manipulado continuamente durante a maior parte dos últimos cinqüenta anos. Cada facção precisa evitar ativamente uma cisão, influenciando os integrantes dentro de cada uma a não criarem uma divisão com base em interpretações dogmáticas de uma ideologia.

2. Nós, que agimos com uso da força e não-violentamente, precisamos trabalhar juntos para pensarmos como iremos confrontar nossos opressores durante o planejamento da nossa opressão, com o objetivo de impedir/paralisar não-violentamente, idealmente e primeiramente, mas com o uso da força se necessário.

3. Precisamos alargar nossas ações, em quantidade de participantes e em estratégia, incluindo ações que não sejam antiencontros. A transformação radical muito dificilmente virá apenas paralisando essas reuniões (mas é um bom começo).

Podemos ganhar, estamos ganhando... solidariedade! (...)

James Anon
26/07/2001



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